Um homem caminha primeiro a pé, tacteando no escuro, depois de automóvel, conduz toda a noite, dorme na pressa de um hotel, retoma a viagem primeiro ainda em terras portuguesas, depois em Espanha.
Em Sevilha sobe ao último andar de um prédio. Tem a chave da porta, a casa está desarrumada e nela se encontram duas crianças adormecidas quase entre sinais de abandono. «Aproximei-me da cama maior. O rapaz tinha apenas as cuecas vestidas. Magro, as pernas esguias, o cabelo comprido. Ouvia-se a respiração. Rápida, regular, entrecortada por pausas de onde emergia com uma aspiração sufocada. Da outra cama, não se ouvia nada. A menina estava despida, com o cabelo espalhado pelo rosto e as pernas cobertas com a ponta do lençol. Apoiei-me nas grandes, debrucei-me e afastei-lhe o cabelo. Não se mexeu. Respirava devagar, com os lábios entreabertos e um quase insensível movimento do peito. Parecia fria, apesar do calor, o corpo contraído, a cabeça colada aos joelhos. Tinha os lençóis húmidos em redor das coxas. Na penumbra, a sua pele esbatia-se contra o tecido branco.»

Este é o inicio de uma história inesperada, dura, com o «esplendor das coisas ameaçadas».

Lido para a tertúlia de Junho de 2015, do Clube Literário de Gaia. Podem ler um resumo desse serão nesta thread do fórum.

Gostei em particular desta consideração do autor:
"Não sei se este livro incomoda ou se agrada. Um livro é um lugar onde se está e é isso que eu espero ter conseguido construir."

O livro vai ter com a marialeitora a Vila Real, depois com o joaquimponte a Lisboa, e a seguir... quem sabe? :)
Boa viagem.

Obrigada, ichi! :) Chegou hoje e já espreitei as primeiras páginas...promete!

(dois das depois). Decididamente frases com 2 e 3 palavras e ponto final, não é o ritmo que me apetece ler. Vou passá-lo! Não fiquei convencida. Obrigada, Ichigochi mas o Cancela vai seguir viagem! :)

Chegou a casa mesmo antes de partir de ferias ... e posso assim levá-lo comigo.
Obrigado ichigochi e marialeitora

Um estilo caracteristico o deste escritor, frases curtas, lapidares, diálogos quase ausentes , monocordicos por vezes, uma escrita como névoa, que apenas deixa entrever o enredo. Por sua vez, este enredo é improvável, pouco credivel,adensando a estranheza da historia. Um apartamento em Sevilha num tórrido calor estival, duas crianças sozinhas que não vêm sua mãe há 4 anos, uma ama apática, sem afectividade, descuidada, o cheiro a urina, a roupa suja, a falta de talheres, um visitante perturbador e não convidado. E finalmente um pai ( divorciado e sem tutela) que decide resolver o problema dos filhos mas que adia ( ou não o deixam) tomar uma decisão apesar de ver como tudo se desmorona. Estranho e improvavel enredo, quase surreal..

Para o final os diálogos são mais ricos, o enredo acelera o que permite captar melhor a atenção do leitor, pelo menos em algumas páginas. Apesar deste tom negativo, que pode levar o leitor a "estagnar" e a desistir , esta historia levou-me a reflectir sobre alguns temas sociais : a falta de afectividade na familia, onde os pais estao demasiado envolvidos consigo e suas carreiras ( mesmo assim esta historia exagera esta ausencia de afecto) ; o actual sistema de divorcio que leva à perda pratica da presença e da influencia do pai ( este pai por ex esta de maos atadas para ajudar os filhos); o choque de culturas na figura de um jovem marroquino desadaptado a vida europeia e que ajuda a desencadear uma tragedia; fianlmente , um aspecto bem relevante nesta história, a forma como a moral social e a própria lei podem se podem opor a opções de vida individual ( quando inclui opçoes condenaveis pela moral .. como , nesta historia, o facto de os pais ... bem acho que deixo em suspense o misterio ). Fiquei a pensar nesta oposição entre a realidade e a moral.

A certa altura fala-se de Impunidade numa referencia espuria as crianças judias que no seculo XV foram expulsas de Espanha e vieram para Portugal Obrigadas a serem aquilo que não eram . Aqui há uma possivel comparação com o enredo cujo sentido me escapou .... , na referencia " ao poder da lei": a civilização é lei, que gera culpa e punição... É a impunidade da lei que gera violencia . Curioso e algo perturbador. Ou talvez não, quando se sabe algo mais sobre esta familia...
Não sei bem o que pensar sobre este livro , mas a verdade é que acabou por fazer crescer em mim estas reflexões.

Acabou por valer a pena... E desejo a H.G.Cancela as melhores felicidades na carreira literaria que agora iniciou.

E voltara para casa , de acordo com o timing de ferias da ichigochi.

O livro estava na caixa de correio quando cheguei de férias há uns dias. Obrigada pelos vossos comentários e pelo envio Joaquim.

Compreendo-te marialeitora. Também achei o estilo de escrita muito pouco cativante, principalmente no início do livro... o que me motivou a continuar a ler foi a tertúlia com o autor e a curiosidade de saber o que se passava afinal naquela história.

(Editado para eliminar spoilers).

O livro fica disponível para novas viagens. :)